Esta manhã não conseguia sair da cama. Foi como se uma força invisível me puxasse para debaixo dos lençóis e me dissesse que este dia-a-dia alucinante não adianta de nada e que portanto, melhor seria ficar na cama. Tentei lutar contra esta falta de ânimo que me esmaga, arranjei coragem e forças não sei onde, para me agarrar a ideias positivas, e levei o meu dia de trabalho para a frente sem pestanejar.
O Francisco mandou-me um e-mail a perguntar como eu estava, porque me tinha visto chegar com uma cara péssima. Respondi-lhe que andava com excesso de trabalho e preocupações, e que tinha dormido mal, mas que não era nada de mais. Ele perguntou – me se era mesmo só isso, e eu confirmei que sim. É um querido o Francisco, às vezes até parece que se preocupa comigo a sério, mesmo sem termos grande nível de intimidade. De vez em quando vamos beber café lá fora, eu, ele e a Matilde que é uma colega dos Recursos Humanos que eu gosto muito, e falamos sobre montes de coisas, menos do trabalho aqui no jornal. O Francisco é um fixe e tem o dom de me fazer rir, mesmo quando estou triste. Está sempre a contar piadas e a gracejar sobre tudo, tem um sentido de humor impressionante e contagiante. A Matilde também é uma querida, e quando estou mais em baixo, ligo-lhes para irmos beber café, e falamos de tudo e de nada ao mesmo tempo. De tudo, porque falamos de tudo mesmo, como actualidade, coisas de família, amigos, etc. E de nada, porque nem eu nem eles sabemos, qual é o nosso verdadeiro e real estado de espírito.
É triste, mas hoje em dia, noventa e nove por cento das pessoas usa uma máscara tão impenetrável, que ninguém consegue saber genuinamente, o que é que os outros estão a pensar ou a sentir, se estão contentes, ou tristes. Porque é que as pessoas fazem isto? É para se protegerem? Para não darem parte de fracas? Mas porquê, se toda a gente já sabe o que é chorar e sofrer, seja por perder alguém que se ama, seja porque a vida não nos corre bem, seja por solidão? Cada um de nós que se esconde diariamente por trás dessa máscara, já experimentou esse tipo de sentimentos. Então, porque é que os continuamos a esconder com tanto pudor como se tratasse de uma nudez obscena em público? Não entendo, sinceramente, não entendo, e muito menos porque também eu alinho neste teatro, e todos os dias visto a minha máscara para ir trabalhar, como se fosse mais um casaco ou um par de brincos. Mas enquanto esses são visíveis e se eu os tirar nota-se, a máscara é totalmente invisível, e ninguém sabe se eu a estou a usar ou não. Por isso, é tão difícil hoje em dia confiar nas pessoas, porque nunca sabemos se elas estão a ser totalmente verdadeiras ou se afinal, têm a máscara posta.
Se não existissem estas máscaras, o Mundo seria bem mais fácil e eu não teria que pôr litros de corrector de olheiras para conseguir ir trabalhar, sem pensarem que eu sou uma criatura tirada do Aliens, e quando o Francisco me perguntasse se eu estava triste, eu não iria vestir a máscara, e iria responder-lhe simplesmente que estou muito triste e infeliz, porque discuti com o Miguel e ele saiu de casa, porque tomei três Xanax, e dormi no chão da cozinha envolta em lágrimas, ao frio e abandonada .
Aí, ele também iria tirar a sua máscara e contar-me que também anda muito triste porque a mãe dele tem cancro, e está no hospital a fazer tratamentos, e os médicos já não têm esperança, mas só ele é que sabe, nem o pai dele suspeita. E assim, ele já poderia tirar a máscara em frente ao pai e contar-lhe que a mãe está a morrer, e se calhar só tem mais uns dias de vida. E o pai ia chorar de certeza, agarrar-se a ele e dar murros nas paredes, mas ia ajudar a mulher, sabendo de antemão que ela não vai viver muito mais. E que adianta esta mentira, se ele vai acabar por sofrer à mesma quando a mãe morrer?
A Matilde também tiraria a sua máscara e contaria que o marido a traiu com uma brasileira que trabalha ali nos frangos de Moscavide e agora se vê a braços com um T3 em Telheiras para pagar e dois filhos de cinco e oito anos de idade, e despesas que não acabam mais. E só mesmo por isso é que ela não se separa do desgraçado. Por isso e por o amar acima de tudo, mesmo que ele seja um traste da pior espécie. E aí estaríamos os três e toda a gente, nus como viemos ao Mundo, mas poderíamo-nos ajudar mutuamente, sabendo das desgraças da vida de cada um.
Eu aconselharia a Matilde a vender a casa e a ir morar com os pais, o Francisco a contar ao pai que a mãe tem cancro, e dar-lhe ia força para enfrentar este pesadelo que ele está a viver. A Matilde dir-me-ia para tentar compor as coisas com o Miguel, e o Francisco certamente me passaria a mão pela cabeça e me diria que ele não era homem para mim, e que eu merecia muito melhor.
Agora assim…Assim, não podemos fazer nada senão fingir que temos vidas perfeitas e fingir que acreditamos que os outros também as têm.
Porque todos sabemos que todos sofremos, temos problemas, chatices, discussões, todos choramos por amor, por incompreensão, fúria e raiva às vezes. Isso não é nenhum crime de pena capital, não é nenhum sinal de fraqueza, muito pelo contrário. Então se assim o é, para que é que andamos aqui todos a representar felizes e contentes, a vida que gostaríamos de ter? A vida não é aquilo que gostaríamos que ela fosse, mas apenas aquilo que é, por isso de nada vale andar aqui a fingir que temos dia-a-dias perfeitos e cor-de-rosa em que tudo é feliz, e alegre e os problemas não nos afectam. Somos humanos, somos de carne e osso, e ferimo-nos diariamente, por isso para quê fingir?
Será que sou só eu que penso este tipo de coisas, ou estes pensamentos são comuns e recorrentes para toda a gente? Porque é que ninguém dá a conhecer a sua verdadeira cara? Por medo de quê? Eu sempre fui ensinada a ser verdadeira e genuína, a gritar se tenho vontade, a chorar se me apetece e a não esconder nada. Mas a partir de uma certa idade, comecei a perceber que não era assim que as coisas funcionavam no mundo real, e deixei de lado essa minha postura. A partir daí tentei tornar-me uma pessoa um pouco mais fria, mais racional e menos autêntica, em nome de uma regra que a sociedade ou mesmo eu, já nem sei bem, me impôs, em prol também não sei bem do quê. Sei que é assim, mas limito-me a agir de acordo com isso, sem saber porque é que é assim. Um dia, algum gajo maluco deve ter espalhado numa carta corrente ou num e-mail desses que correm Mundo, que dava azar demonstrar aos outros os nossos próprios sentimentos e desnudar as nossas fragilidades e inseguranças, e começou a ser prática corrente ocultar as nossas amarguras e tristezas, na vã ilusão de que isso nos torna mais fortes. Mas é mentira, pois só nos torna mais fracos e incapazes de lidar com esses sentimentos, de os assumirmos perante os outros, e sobretudo perante nós mesmos.
Porque às vezes passamos tanto tempo com a máscara, que acabamos nós próprios por acreditar nas tristes mentiras que contamos aos outros.
O Francisco mandou-me um e-mail a perguntar como eu estava, porque me tinha visto chegar com uma cara péssima. Respondi-lhe que andava com excesso de trabalho e preocupações, e que tinha dormido mal, mas que não era nada de mais. Ele perguntou – me se era mesmo só isso, e eu confirmei que sim. É um querido o Francisco, às vezes até parece que se preocupa comigo a sério, mesmo sem termos grande nível de intimidade. De vez em quando vamos beber café lá fora, eu, ele e a Matilde que é uma colega dos Recursos Humanos que eu gosto muito, e falamos sobre montes de coisas, menos do trabalho aqui no jornal. O Francisco é um fixe e tem o dom de me fazer rir, mesmo quando estou triste. Está sempre a contar piadas e a gracejar sobre tudo, tem um sentido de humor impressionante e contagiante. A Matilde também é uma querida, e quando estou mais em baixo, ligo-lhes para irmos beber café, e falamos de tudo e de nada ao mesmo tempo. De tudo, porque falamos de tudo mesmo, como actualidade, coisas de família, amigos, etc. E de nada, porque nem eu nem eles sabemos, qual é o nosso verdadeiro e real estado de espírito.
É triste, mas hoje em dia, noventa e nove por cento das pessoas usa uma máscara tão impenetrável, que ninguém consegue saber genuinamente, o que é que os outros estão a pensar ou a sentir, se estão contentes, ou tristes. Porque é que as pessoas fazem isto? É para se protegerem? Para não darem parte de fracas? Mas porquê, se toda a gente já sabe o que é chorar e sofrer, seja por perder alguém que se ama, seja porque a vida não nos corre bem, seja por solidão? Cada um de nós que se esconde diariamente por trás dessa máscara, já experimentou esse tipo de sentimentos. Então, porque é que os continuamos a esconder com tanto pudor como se tratasse de uma nudez obscena em público? Não entendo, sinceramente, não entendo, e muito menos porque também eu alinho neste teatro, e todos os dias visto a minha máscara para ir trabalhar, como se fosse mais um casaco ou um par de brincos. Mas enquanto esses são visíveis e se eu os tirar nota-se, a máscara é totalmente invisível, e ninguém sabe se eu a estou a usar ou não. Por isso, é tão difícil hoje em dia confiar nas pessoas, porque nunca sabemos se elas estão a ser totalmente verdadeiras ou se afinal, têm a máscara posta.
Se não existissem estas máscaras, o Mundo seria bem mais fácil e eu não teria que pôr litros de corrector de olheiras para conseguir ir trabalhar, sem pensarem que eu sou uma criatura tirada do Aliens, e quando o Francisco me perguntasse se eu estava triste, eu não iria vestir a máscara, e iria responder-lhe simplesmente que estou muito triste e infeliz, porque discuti com o Miguel e ele saiu de casa, porque tomei três Xanax, e dormi no chão da cozinha envolta em lágrimas, ao frio e abandonada .
Aí, ele também iria tirar a sua máscara e contar-me que também anda muito triste porque a mãe dele tem cancro, e está no hospital a fazer tratamentos, e os médicos já não têm esperança, mas só ele é que sabe, nem o pai dele suspeita. E assim, ele já poderia tirar a máscara em frente ao pai e contar-lhe que a mãe está a morrer, e se calhar só tem mais uns dias de vida. E o pai ia chorar de certeza, agarrar-se a ele e dar murros nas paredes, mas ia ajudar a mulher, sabendo de antemão que ela não vai viver muito mais. E que adianta esta mentira, se ele vai acabar por sofrer à mesma quando a mãe morrer?
A Matilde também tiraria a sua máscara e contaria que o marido a traiu com uma brasileira que trabalha ali nos frangos de Moscavide e agora se vê a braços com um T3 em Telheiras para pagar e dois filhos de cinco e oito anos de idade, e despesas que não acabam mais. E só mesmo por isso é que ela não se separa do desgraçado. Por isso e por o amar acima de tudo, mesmo que ele seja um traste da pior espécie. E aí estaríamos os três e toda a gente, nus como viemos ao Mundo, mas poderíamo-nos ajudar mutuamente, sabendo das desgraças da vida de cada um.
Eu aconselharia a Matilde a vender a casa e a ir morar com os pais, o Francisco a contar ao pai que a mãe tem cancro, e dar-lhe ia força para enfrentar este pesadelo que ele está a viver. A Matilde dir-me-ia para tentar compor as coisas com o Miguel, e o Francisco certamente me passaria a mão pela cabeça e me diria que ele não era homem para mim, e que eu merecia muito melhor.
Agora assim…Assim, não podemos fazer nada senão fingir que temos vidas perfeitas e fingir que acreditamos que os outros também as têm.
Porque todos sabemos que todos sofremos, temos problemas, chatices, discussões, todos choramos por amor, por incompreensão, fúria e raiva às vezes. Isso não é nenhum crime de pena capital, não é nenhum sinal de fraqueza, muito pelo contrário. Então se assim o é, para que é que andamos aqui todos a representar felizes e contentes, a vida que gostaríamos de ter? A vida não é aquilo que gostaríamos que ela fosse, mas apenas aquilo que é, por isso de nada vale andar aqui a fingir que temos dia-a-dias perfeitos e cor-de-rosa em que tudo é feliz, e alegre e os problemas não nos afectam. Somos humanos, somos de carne e osso, e ferimo-nos diariamente, por isso para quê fingir?
Será que sou só eu que penso este tipo de coisas, ou estes pensamentos são comuns e recorrentes para toda a gente? Porque é que ninguém dá a conhecer a sua verdadeira cara? Por medo de quê? Eu sempre fui ensinada a ser verdadeira e genuína, a gritar se tenho vontade, a chorar se me apetece e a não esconder nada. Mas a partir de uma certa idade, comecei a perceber que não era assim que as coisas funcionavam no mundo real, e deixei de lado essa minha postura. A partir daí tentei tornar-me uma pessoa um pouco mais fria, mais racional e menos autêntica, em nome de uma regra que a sociedade ou mesmo eu, já nem sei bem, me impôs, em prol também não sei bem do quê. Sei que é assim, mas limito-me a agir de acordo com isso, sem saber porque é que é assim. Um dia, algum gajo maluco deve ter espalhado numa carta corrente ou num e-mail desses que correm Mundo, que dava azar demonstrar aos outros os nossos próprios sentimentos e desnudar as nossas fragilidades e inseguranças, e começou a ser prática corrente ocultar as nossas amarguras e tristezas, na vã ilusão de que isso nos torna mais fortes. Mas é mentira, pois só nos torna mais fracos e incapazes de lidar com esses sentimentos, de os assumirmos perante os outros, e sobretudo perante nós mesmos.
Porque às vezes passamos tanto tempo com a máscara, que acabamos nós próprios por acreditar nas tristes mentiras que contamos aos outros.
Rita
Texto registado no IGAC