segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Cheiro a Amor




Escrevi-te uma carta à moda antiga, cheia de letras redondas e tristes, num papel bonito, com cheiro a amor. Ficaste surpreso, indeciso, hesitante. Posso até arriscar, estupefacto? Mas porquê tanto espanto? Com o conteúdo ou com a forma? Duvido que seja pelo conteúdo, pois já te expus o que sinto muitas vezes… Assim sendo, só pode ser pela forma.
Sim, eu continuo a escrever manualmente e em papel. Qual o problema, podes-me dizer? Tu sabes que eu não gosto de máquinas e um computador é muito mais impessoal, pelo que só recorro a ele quando é mesmo necessário. E além do mais, com estes vírus e bichos esquisitos que andam por aí, arriscava-me a perder tudo. Para isso é que existem os backups, dir-me-ias tu com o teu ar paternalista, explicando em seguida que backups são cópias de segurança dos ficheiros que temos, para evitar perder coisas importantes.
Pena que eu não fiz um backup de ti…se calhar a esta hora ainda te tinha, algures guardado num cd, numa pen, ou até no meu ipod. Se eu tivesse feito uma cópia de segurança de ti, as coisas eram diferentes, tenho a certeza.
As lâmpadas da dispensa não estavam fundidas há três meses, e eu não me irritava tanto e gritava sozinha com o computador e com a impressora quando eles me dão chatices.
Não reclamaria sozinha no carro, do meu chefe, dos colegas, das inquietações, do cansaço e do excesso de trabalho pois ligaria para ti e correria para os teus braços, e tu far-me-ias rir e esquecer tudo isso.
E lá estarias tu, meu porto de abrigo, para me passar a mão pela cabeça e solucionares os meus problemas num passe de mágica, para me dizeres para ter calma e que tudo era simples.
Mas chego à conclusão que a vida não é nada simples. As coisas não são simples, por mais que as pessoas as tentem fazer parecer. As pessoas, essas, são as que menos simples são. A minha avó diz, e tem toda a razão, que viver não custa, custa é saber viver.
Porque apesar de as coisas já não serem simples em si mesmas, nós tornamo-las mais complicadas ainda. Passamos a vida inteira a lutar por algo ou por alguém, e sonhamos com esse objectivo inatingível, mas quando finalmente conseguimos, deitamos tudo a perder, seja por estupidez, orgulho, burrice ou outra paragem de cérebro qualquer. Só damos valor às coisas em duas situações: ou quando simplesmente não as temos, o que é problemático, ou quando as perdemos, o que é pior ainda, porque nos cria aquela sensação de um punhado de areia que se escapa por entre os dedos. A felicidade é assim…fugaz e efémera.
É um conceito tão perfeito que não pode ser um estado contínuo. Felicidade pressupõe a ausência de tristezas, mágoas, ressentimentos, agruras de todo o tipo e espécie. Ora isso é tecnicamente impossível, porque as vidas perfeitas não se vendem em pacotinhos cor-de-rosa com cheiro, com uma pastilha de morango como brinde.
As vidas perfeitas não existem, assim como a felicidade plena é um mito.
Todos nós temos os nossos momentos de felicidade, é certo. Aqueles em que tudo fica às bolinhas azuis e roxas, em que nos sentimos leves, amados, desejados, com sorte na vida, no amor e no jogo. Que temos força para lutar contra o Mundo se for preciso, que nada de mal nos vai acontecer. Que somos lindos e deslumbrantes, e não há melhor que nós.
Mas infelizmente, não passam disso mesmo: de momentos.

Porque a seguir vem logo algo que ensombra a nossa felicidade e nos faz aterrar com os pés no chão a toda a velocidade, tipo carta do Ministério das Finanças. E ver que a vida afinal, só é colorida às vezes. E que não existem apenas cartas de amor.

Rita



Texto registado no IGAC

2 comentários:

  1. Pois não... a vida não é sempre bela, nem o sentimento mais forte do mundo se resume a "amor e uma cabana". Isso acontece nos filmes, em cenas improvisadas e escritas, treinadas e gravadas em takes perfeitos!
    Na vida real os sentimentos de hoje podem não ser os de amanha, e tudo o que hoje é certo e inquebrável, amanhã... quem sabe. Vale-nos os amigos, os verdadeiros AMIGOS. Aqueles que apesar de terem problemas, a vida do avesso e o mundo a cair-lhes em cima, ganham forças e esquecem-se por momentos para simplesmente ouvir e chorar em conjunto.
    É certo que a vida nada é sem amor, mas e sem amigos??
    Seria bem mais dolorosa garanto-te.
    Obrigado :)

    Susaninha.

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  2. Sim, a vida nem sempre é cor-de-rosa. Mas quando se é jovem, temos ainda um longo caminho a percorrer, cheio de oportunidades e de Esperança!

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