quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Os teus cabelos




De há uns dias para cá tenho sonhado todas as noites contigo.
Vejo-te na casa de banho, de secador em punho, com os teus longos cabelos cor de mel que te caem em canudos pelas costas. Vejo-te a desenhar o olhar com o teu característico eyeliner preto, milimetricamente paralelo às pestanas, e os teus profundos olhos castanhos a sorrir para mim. Lembro-me quando saías do duche e te enrolavas na toalha, enquanto secavas o cabelo e te maquilhavas. E eu ficava assim, a olhar para ti e a pensar como podias ser tão perfeita. Não me esqueço do cheiro a frutos silvestres do teu cabelo, e no outro dia dei por mim a procurá-lo na almofada que deixaste lá em casa. Mas não deixaste nem um cabelo cor de mel nessa almofada, que me permitisse reaver nem que fosse por breves instantes o teu cheiro. Lembro-me da tua boca cheia e bem delineada a lápis, como uma pintura, e do teu sorriso aberto. Mas tudo isso agora passou, e a vida é bem diferente.
Já não há cheiro a frutos silvestres, nem roupa passada a ferro e arrumada dentro das gavetas a cheirar a alfazema. Nunca soube passar a ferro, o que é que tu queres? Cozinhar ainda vá que não vá, agora sabes que para cuidar da roupa eu nunca tive muito jeito, e a única vez que tentei estraguei-te uma camisola de caxemira que ficou tingida de verde, embora fosse originalmente branca. Sabia lá eu que não se podiam misturar cores? Agora é que parece que há um detergente qualquer que se pode misturar tudo lá para dentro da máquina ao molho e as roupas não se tingem mutuamente. Tenho de ver se compro isso para evitar mais desgraças, porque no outro dia já lixei mais três camisas só porque uma era azul escura, outra creme e outra branca. Tenho de ver se contrato uma empregada também, porque tenho chegado tarde a casa e não tenho paciência para fazer nada. Fico ali no sofá com o olhar perdido na televisão, e imagino quando depois de jantar nos enroscávamos no sofá e ficávamos ali à lareira e a fazer amor, perdidos no corpo um do outro. E depois levava-te para a cama e adormecia-te como se fosses um bebé. Lembro-me quando cozinhavas para mim e fazias pratos sofisticados e ali andavas pela cozinha, a pavonear-te de colher de pau na mão e avental posto, mas sexy como sempre.
Nada foi igual desde que te foste embora. Continuo a ver a tua boca, o teu sorriso, o cheiro do teu cabelo em cada mulher que passa. Mas não és tu, tu não estás comigo e cada vez te sinto mais distante, como se já tivessem passado muitos anos e nada saiba de ti. Imagino se terás alguém, se encontraste um grande amor, se casaste, se estás feliz. Espero não te encontrar com ninguém ao lado, num supermercado qualquer a empurrar um carrinho de bebé porque isso não vou aguentar. Nem isso, nem ver-te com outro, simplesmente porque ainda te sinto minha. Sei que já não és minha, sei que te perdi, mas se te serve de consolo, eu ainda sou teu.
No outro dia depois de beber uma garrafa de whisky com o Carlos no fim do trabalho, fui para o Casino de Lisboa. Se queres que te diga nem sei bem o que fui lá fazer, mas acho que fui testar a máxima do azar no amor, sorte no jogo.
Cheguei lá e aquilo estava cheio de gente. Gente bonita, bem-vestida, um ambiente agradável. Mulheres bonitas então, nem se fala. Já não estava nada bem e fiquei ali um tempo nas slot machines mas comecei-me a sentir mal, porque aquilo é jogo para putos. Então decidi ir para a roleta. Nos primeiros jogos ainda ganhei algum dinheiro, mas depois foi tudo por água abaixo e perdi o que tinha apostado e ainda mais algum.
Fiquei mesmo lixado pá, já não basta tudo o resto ainda fui lá perder dinheiro. Foi então que se aproximou de mim uma mulher com cabelos cor de mel como os teus, que lhe caiam pelas costas como os teus, mas não cheirava a frutos silvestres, apenas a um perfume barato. Também não se pode ter tudo. A boca era carnuda como a tua, e os olhos castanhos amendoados, mas não estavam maquilhados como os teus.
Gostava ainda de saber se dizem que o amor é cego, porque é que eu te vejo em cada mulher que conheço e caio sempre na tentação de fazer comparações. Conversa puxa conversa, ela também já estava com um grão na asa e fomos acabar no Ibis.
Quando lhe tirei a roupa, percebi que de ti ela não tinha nada, e era como se não conhecesse aquele corpo, porque de facto não conhecia mesmo. E só procurava no corpo dela apenas um reflexo, uma sombra do que era o teu quando se colava ao meu e ficávamos ali entrelaçados, os teus gemidos no meu ouvido, e a minha língua no teu pescoço.
Mas nada disso se passou, e tudo aconteceu de forma fria e mecânica como já seria de esperar entre duas pessoas que se conheceram há um par de horas. E ela não cheirava como tu, não sabia como tu, nem tão pouco beijava como tu que me conseguias deixar perdido na tua boca, sem saber onde estava. Em vez disso, fiz com que tudo acabasse depressa como se tivesse urgência de sair dali e ir para casa tentar resgatar-te num sítio qualquer, talvez numa camisola esquecida numa gaveta, talvez num blush ou num baton caído entre as almofadas do sofá, qualquer coisa que me traga à memória o teu cheiro, o teu sabor.
Mas depois do turbilhão de pensamentos em que estava mergulhado só conseguia recordar aqueles momentos em que depois de fazermos amor te adormecia, e ouvia o teu respirar e os teus cabelos cor de mel espalhados sobre o meu peito.
Mas ela não se deitou no meu peito, virou-se de costas e adormeceu. O respirar dela era pesado e ofegante. Não era como o teu, leve e tranquilo, mal se percebia no silêncio da noite.
Depois adormeci, com um vazio imenso dentro de mim e com o whisky a latejar-me na cabeça, sem forças para me levantar e ir para casa. Acordei passadas umas horas, mal-disposto, suado e com a boca a saber a cortiça. Levantei-me e vi que ela se tinha ido embora sem sequer deixar um bilhete. Ainda bem, os tempos já não são o que eram, porque dantes quem fazia isto eram os homens e não as mulheres. Mas ainda bem que foi assim, poupou-me esse trabalho. Depois de sair do duche vesti-me e vi que o meu relógio que tinha posto em cima da mesinha de cabeceira tinha desaparecido. Sim, aquela imitação perfeita da Rolex que o Carlos me trouxe de Nova Iorque! Tu acreditas que a cabra me levou o relógio? Realmente, nunca pensei! Que ela não valia nada deu para ver, agora que também fosse ladra isso é que me surpreendeu. Quando vou para sair revolvi a carteira à procura do dinheiro para pagar o hotel e caiu-me tudo ao chão. A gaja ainda me levou os cem euros que tinha na carteira! Realmente que noite de merda, perdi dinheiro no casino, comi uma gaja do pior que ainda por cima me roubou dinheiro e o relógio! Isto o mundo está perdido, pois está, e eu também estou…
Penso que a puta da vida anda mesmo às avessas comigo porque tudo corre mal desde que me deixaste, e ando a dar em maluco. Mas isto vai passar e vou conseguir esquecer-te, não vou mais andar à tua procura em cada rosto que vejo na rua, e daqui a uns tempos nem me vou lembrar sequer do teu nome. E muito menos dos teus cabelos cor de mel.
Rita
Texto registado no IGAC

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