quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ser Feliz


A vida não é uma fórmula científica, uma equação matemática ou uma qualquer definição de dicionário.
Ela resume-se a uma série de factos, acontecimentos e histórias, descoordenados, incoerentes, desconexos, e aparentemente ilógicos e contraditórios. Mas no fim, tudo acaba por fazer sentido. Por isso é que a vida é bela. Por causa da sua imperfeição. O perfeito não existe, é uma ilusão, por isso é que a beleza da vida está na assimetria e na desordem das coisas e dos sentimentos. Nem tudo se explica racionalmente.
A vida é uma sucessão de caminhos, estradas, atalhos e becos sem saída. A virtude está em encontrarmos o trilho certo para a felicidade, nesta imensidão esmagadora do labirinto que é o Mundo.
Por isso, ser feliz é bem mais do que viver.
Vives uma existência cansada, monótona e cinzenta. Acordas de manhã, exausto, vazio, esgotado e perguntas-te porquê. Sabes exactamente como vai começar e acabar o teu dia. Tornaste-te um animal de rotinas, despido de emoções. O teu coração mantém um ritmo constante e organizado, como tudo o que fazes. Divides a tua vida metódica e ordenadamente, entre o trabalho, a casa, e as responsabilidades. Não tens tempo para ti. Não tens tempo para pensar. Vives assim, numa ordem artificial e criteriosa de horários e compromissos, que os outros e tu mesmo, criaste para ti e aceitas como a mais adequada e conveniente. Buscas um ideal naquilo que fazes. A felicidade? Pensas que sim, mas não. O conforto. A felicidade suprema é sentir que não se quer mais nada da vida, que já temos tudo o que ela tem para nos oferecer. E isso, é pela própria natureza das coisas, impossível, já que o ser humano é cronicamente insatisfeito.
Ser feliz é querer abraçar o Mundo e engoli-lo de um só fôlego, é acordar de manhã e olhar para cada dia não como uma sucessão de obrigações a cumprir, mas sim como se ele fosse o último das nossas vidas. E hoje em dia, isso é algo tão raro como um cometa que passa pela Terra. Todos nós vivemos existências que nós próprios e a sociedade nos impõem como sendo as mais correctas e as nossas de pertença. Mas eu recuso-me a isso.
Quero sentir-me viva. Quero desafiar a ordem natural das coisas. Quero adrenalina, risco, emoção, loucura e tudo aquilo que faz o nosso coração bater mais forte e povoa a nossa vida de cores mais vivas. O mundo não pode ser só a preto, branco e cinzento. Ele tem tanto mais para nos oferecer…
Tenho uma casa bonita, elegante, bem decorada. Tenho um armário cheio de roupas caras, perfumes, maquilhagem, jóias e relógios. Tenho um emprego relativamente bem pago, onde sou admirada e respeitada. Passo férias duas vezes por ano. Vou a bons restaurantes e aprecio bons vinhos. Tenho uma família que me ama, senão da maneira que eu gostaria, da maneira que cada indivíduo tem de amar outro: única. Tenho poucos amigos, mas muito bons, que adoro. Tenho livros, músicas, fotos e histórias que reconstroem a minha existência e a perpetuam para a posteridade. Tenho momentos de extrema alegria e de intensa tristeza. E pergunto-me a mim mesma: é só isto a felicidade? Não. Não é só isto. Eu quero mais, quero sentir que estou viva, que tenho um coração a pulsar no peito com a força de cem tambores, e sangue quente a correr-me nas veias. Quero sentir emoção, quero andar num limbo, quero sentir as pernas a tremer, chorar, rir, sonhar e ter um orgasmo tudo ao mesmo tempo.
Estou farta de tentar ser a super-mulher-completa-mais-que-perfeita. A que trabalha fora de casa e traz trabalho para casa. A que lava, passa, arruma, limpa, cozinha tudo com um sorriso. A que está sempre bonita, arranjada, perfumada. A que organiza jantares e festas, é anfitriã, programa, sabe estar, receber e conversar. A que fala sobre política, actualidade, cinema e literatura com toda a gente. A que anima e faz rir as pessoas. A que resolve todos os problemas. Quando é que chega o momento em que posso fazer algo diferente do que aquilo que me exijo a mim própria, e que os outros traçaram para mim? Onde por mais errado, louco e suicida que possa ser, eu posso fazer aquilo que quero, desejo e tenho vontade? Quando deixo de pensar nos outros e penso apenas e só em mim?
É que sabes, eu tenho um pequeno vulcão dentro do peito, que de vez em quando precisa deitar a sua lava cá para fora. Pode estar adormecido por um tempo, mas está lá, prestes a entrar em erupção e tomar conta de mim, da minha cabeça e do meu corpo. Todos nós temos esse pequeno vulcão, em maior ou menor intensidade, mas há quem seja muito hábil em extingui-lo, arrefecendo-o e acalmando-o cada vez que ele quer entrar em erupção, de tal forma que ele acaba por se apagar. Mas eu não penso assim. Porque sei que este vulcão não existe eternamente. Sei que, mais tarde ou mais cedo, com o tempo, a idade e os cabelos brancos, o meu vulcão se vai extinguir, e vai deixar de deitar lava para todo o sempre. E aí, vai restar apenas uma cinza adormecida e fumegante dentro do meu peito, aquela de quem já não espera nada de novo da vida. Por isso, enquanto tenho esta força telúrica, quero aproveitá-la, quero vivê-la em toda a sua plenitude, quero ter os meus necessários momentos de loucura, aqueles em que me liberto, e sou eu de cabelos ao vento, pronta para ser amada como realmente sou. Porque eu sou mesmo assim.
Não tenho nada contra as regras, muito pelo contrário. As regras são essenciais para a vida comunitária. Eu tenho muitas regras na minha vida, máximas, princípios, padrões de comportamento. Mas quando são as regras que tomam as rédeas da nossa vida e nos sufocam numa existência que já não é a nossa, é a delas, então já não somos de carne e osso, mas sim autómatos. Regras demais esmagam-nos. Regras a menos geram o caos, e isso também não é bom. Por isso, há que encontrar o equilíbrio perfeito, e isso passa por acrescentar uma dose sábia e bem medida de loucura, ao nosso dia-a-dia frio, minimalista e metodicamente organizado.
Aí sim encontramos um ponto de convergência, e podemos começar a trilhar o caminho para a felicidade plena. Tudo o resto não passam de meras ilusões que nós criámos, para nos sentirmos mais seguros e confortáveis, e que aceitamos pacificamente, de tal forma que somos controlados por elas. Do que é suposto fazer-se e dizer-se. Dos protocolos, das convenções, do socialmente correcto, do expectável. Mas o Mundo não se mede em estatísticas e eu quero desafiar isso, e construir para mim uma vida diferente da de toda a gente. Por isso te digo para não teres medo de amar, de confiar, de sonhar, de arriscar. Afinal, tens medo de quê? De te magoar? Já sabes o que isso é. De tomar o caminho errado? Já lá estiveste. De te entregar? Não tenhas, porque a entrega é o acto de comunhão e partilha mais intenso que o ser humano pode experienciar.
Sei que, apesar de não o dizeres, e de lutares contra ti mesmo para tentar apagar o que vivemos, sentes por mim uma mistura de paixão, desejo, loucura, mágoa, arrependimento, cumplicidade, amizade, saudade, tudo metido na máquina e centrifugado a 1400 rotações. Então, não tenhas medo de o dizer, abre o teu coração e deixa o sol entrar com um sorriso, e de peito aberto, aspira a tudo aquilo que a vida te pode dar, não te contentes com o mediano e medíocre, sonha sempre mais alto e não tenhas medo de cair, porque o chão foi feito para as pessoas dele se levantarem, liberta-te de toda essa prisão de sentimentos em que vives. Vais ser mais feliz, garanto-te. Vais viver em comunhão contigo mesmo e com quem te rodeia. Vais tremer de excitação, gritar de fúria, chorar de raiva e tristeza, enlouquecer de desejo e só aí te vais libertar e pairar acima de ti mesmo, leve e tranquilo como nunca estiveste.
Não precisamos um do outro para viver, mas talvez e apenas para nos sentirmos vivos.
Eu quero e preciso sentir-me viva, libertar-me destas cordas que me amarram e me prendem a uma existência limitada e forçada. Por mais errado que seja, às vezes temos mesmo de fazer aquilo que nos apetece. E isso sim, chama-se simplesmente, ser feliz.



Rita


Texto registado no IGAC

1 comentário:

  1. Simplesmente genial. Foca de uma forma exacta a realidade da vida,a rotina, as vivências diárias, a necessidade de quebrar com a normalidade e de nos sentirmos vivos. Fascinante.Revi-me imenso no texto e tocou-me bastante.Parabéns.

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