terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Lua das Caraíbas


Debaixo de uma palmeira, com os ramos ondulando suavemente ao sabor do vento quente de uma ilha das Caraíbas sinto voltar o apelo da escrita. Tem surgido várias vezes, timidamente, espreitando pela porta entreaberta, e pedindo-me em murmúrios, licença para entrar. Tenho fechado a porta com determinação, porque neste momento tenho de me concentrar noutras coisas mais importantes e com prazos fantasmagóricos que me asfixiam, por isso não posso deixar-me levar por ele.
Mas agora, nesta noite cálida de Verão, (será Verão aqui, Primavera ou mesmo Inverno?) permito-lhe que entre devagarinho.
É que nas Caraíbas nunca faz frio, o máximo são tempestades tropicais como aquela que vislumbro lá ao fundo, em nuvens negras e espessas, por isso não sei avaliar bem que estação será agora.
Mas também não interessa. Aliás, aqui nada interessa, nada no sentido das preocupações habituais e rotineiras que temos na nossa vida normal do tipo horários, preocupações, afazeres, alimentação, deveres domésticos, profissionais e o diabo a quatro.
Tirei o relógio há uma semana, e confesso que apesar de ter uma vasta colecção deles, percebo agora que são totalmente inúteis. Isto porque aqui não há horários para nada, e eu que sou uma viciada no controle do tempo, consigo viver resignada com tal facto. Não imagino maior felicidade do que esta que agora experimento: comer quando tenho fome, dormir quando tenho sono, guiar-me pelo sol, pela chuva, pelo vento, pelo mar, entregar-me às doces ondas que rebentam na praia, rebolar-me na areia, apanhar conchas na praia e correr atrás das gaivotas. Era bom que a vida fosse simples e livre assim. Que eu pudesse abandonar o meu corpo ao ócio, à natureza, ao simples deleitar de um por do sol ou a um banho de mar no meio de uma chuvada tropical. Andar o ano inteiro de biquíni e ter sempre a pele dourada do sol. Nadar com esses seres maravilhosos que são os golfinhos. Desfrutar da vida e da natureza na sua plenitude.
Aqui há outro tempo. O tempo em que há tempo para tudo e os dias são intermináveis. Tempo para fazer o que queremos. Tempo para sonhar, para rir, para fazer de cada momento algo único e especial. Tempo para dar atenção às coisas e às pessoas. Falar com elas, olhá-las nos olhos. Tempo para olhar o céu.
Trouxe alguns livros mas não os abri. Trouxe vários documentos do trabalho para, pensava eu, aqui os ler com mais tranquilidade e concentração. Numa coisa não me enganei, aqui há certamente mais tranquilidade. Aqui respira-se tranquilidade sobre as suas diversas formas. Há poucas pessoas, e as que há não andam a correr dum lado para o outro, simplesmente se movem num torpor adocicado enquanto se abanam com um leque placidamente.
Os automóveis que vejo são antigos, coloridos e andam a 20 km/h, e é como se ninguém tivesse nada de urgente ou inadiável para fazer. Vejo sorrisos em todas as caras, apesar da pobreza, e oiço música nas ruas, sempre.
Outra coisa muito importante e que só no outro dia descobri, é que aqui a lua é mil vezes maior e mais luminosa, e as estrelas mais brilhantes e intensas. Não sei se isto é mesmo verdade, porque cientificamente é impossível, mas enquanto estava deitada na praia a olhar o céu, pareceu-me. E a verdade, afinal de contas, é somente aquilo em que nós acreditamos.
Mas depois de muito pensar, não me recordo da última vez que tive tempo para olhar o céu estrelado à noite com verdadeira atenção e contemplar a perfeição dos astros, por isso provavelmente lá o céu é igual, e eu é que ando de olhos vendados.
Isto porque a lua é a mesma no mundo inteiro. Para mim é indiferente, porque a Lua das Caraíbas será sempre especial. Se calhar, apenas porque tenho tempo para olhar para ela e apreciar a sua luz e beleza.
A paz que há aqui é tão grande que nos leva a pensar que este mundo é outro. Que aqui os valores e princípios são diferentes, e não há preocupações, nem obrigações nem chatices. Por isso nem sequer me lembrei que trazia aquelas tralhas na mala, e sinceramente mesmo que isso acontecesse, acho que não ia conspurcar este universo paralelo com elementos do outro mundo da normalidade.
O mundo da normalidade é frio, duro, stressante e anda sempre em rota de colisão com tudo e todos. Com as pessoas, principalmente. Vivemos numa ordem caótica de disciplina que nos faz levar o dia-a-dia como autómatos sem questionar se é mesmo isso que queremos para a nossa vida. Se queremos levar uma existência igual à dos demais sem experienciar novas emoções e sentidos. Aqui consigo reflectir sobre mim e sobre os outros com o distanciamento necessário para ter uma visão objectiva da vida, do mundo e das coisas. Isto porque me separam cerca de dez mil quilómetros do meu país e um imenso oceano azul de barreira contra a civilização.
Fiz amigos e conheci pessoas fantásticas, e de algumas, só no fim da viagem soube os nomes. Para quê nomes? Os nomes aqui são tão desnecessários como os relógios e os carros de último modelo. Todos conseguem chegar onde querem à mesma. E nem precisam de se cansar. E tenho para mim que são muito mais felizes.
Desde a minha adolescência que sempre disse que um dia fugiria para uma ilha das Caraíbas, montava um bar na praia e dizia adeus à civilização. Agora, cada vez mais quero fazer isso. Gostava de romper com a minha vida bonita, mas normal e cinzenta, e fazer dela uma tela com cores vibrantes e garridas, com o mar azul-turquesa, a areia branca, as palmeiras verdes e o tempo que nunca se esgota. Mas sobretudo com aquela lua que ilumina o céu, tão redonda e tão branca.
E hoje, que já regressei à normalidade, consegui tirar as teimas. A Lua das Caraíbas é mesmo diferente. Pelo menos para mim.

Rita
Texto registado no IGAC

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