segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O Tempo Certo



Já tive um filho. Não o embalei, não lhe contei histórias, nem sequer o vi nascer, mas tive-o no meu ventre durante algum tempo.
Quando se é mãe, tem-se a sensação de que o universo conspira a nosso favor, que estamos protegidas por uma luz dourada divina, e que nada de mal nos pode acontecer. Sentimos que existe uma força cósmica desconhecida que nos protege e à nossa pequena semente de todo o mal que existe no mundo.
É como se todos os sentimentos negativos que andam por aí à solta, esbarrassem numa pequena, mas robusta redoma de vidro, onde estão as mães no seu perfeito estado de graça.
Mas essa sensação trata-se de uma mera ilusão porque as mães, casadas ou solteiras, são tão ou mais frágeis que os demais indivíduos, e estão igualmente sujeitas às vicissitudes da vida. Isso não muda porque carregamos um ser dentro de nós e porque temos a capacidade de dar a vida a alguém. Mas não deveria ser assim.
Eu acho que as mães deveriam beneficiar de um estatuto especial que lhes conferisse protecção contra o azar, a tristeza, a morte, a doença, as más atitudes e sentimentos baixos. Uma espécie de redoma blindada com alarme, segurança privada e detectores de coisas negativas. Porque uma mãe sente-se tão abençoada, viva e feliz que não concebe pensar sequer que o milagre que sente dentro de si não imuniza contra o sofrimento, e não equaciona que esse ser que carrega possa só ter importância para ela, e para mais ninguém. Por isso se torna frágil e indefesa.
Antes de os testes e ecografias confirmarem a existência de uma pequena semente no meu ventre, eu já sabia que era mãe. Apenas porque um dia acordei, e fiquei a olhar-me ao espelho atentamente, inspirando profunda e lentamente com a mão na minha barriga.
E aí soube, sem margem para dúvidas, que carregava um novo ser dentro de mim, que estava a crescer a cada dia que passava. É como se tivesse olhado ao espelho e visto o avesso de mim, da minha imagem. Ter um filho no ventre é algo que só uma mulher pode sentir, mas não explicar. Saber que se é mãe, é das coisas mais bonitas que a vida nos pode proporcionar.
Imagino como seria o meu filho, se seria menino ou menina, que nome teria escolhido, qual a cor dos seus olhos e cabelos, o desenho do seu sorriso, a perfeição dos seus traços. Imagino-o a correr, a rir e a brincar num parque qualquer, vejo-me a carregá-lo ao colo e a ensinar-lhe mil coisas.
Mas por falta de sorte, ou culpa do destino, essa pequena semente não chegou a crescer e a despertar para a vida. Se existisse a tal redoma de protecção, as coisas seriam bem diferentes, tenho a certeza. Eu e a minha pequena semente teríamos sido resguardadas de todo o mal e azar que existe no mundo, tudo teria corrido bem e a história teria tido um final feliz.
Mas agora, minha pequena semente, como não posso mudar o curso natural das coisas, prefiro acreditar que não era a tua altura de nascer, e que simplesmente esta vida, este espaço e tempo não te estavam destinados.
Há sempre um tempo certo para todas as coisas, e o teu não foi este. Quando chegar a altura exacta, sei que o Universo vai conspirar a nosso favor, e mesmo que não exista a tal redoma, tu vais conseguir desenvolver-te e crescer no meu ventre até irromperes por mim com a sede de conhecer o mundo, para eu te poder apresentar a vida que escolhi para te dar.
E aí nunca vais saber o que é o abandono nem a rejeição, e vais sentir-te a criatura mais amada de todas. Nunca irás pensar que foste um erro de percurso ou que a tua existência é um estorvo para alguém. Simplesmente porque serás a concretização de um desejo de dar vida, e a isso se chama pura felicidade.
Há tempo para plantar, e tempo para colher. Tempo para nascer e tempo para esperar.
O teu tempo não passou, não morreu, nem deixou de existir. Foi apenas adiado até chegar o tempo certo.

Rita

Texto registado no IGAC

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